Ácido Carboxílico

03/17/2010

Do Pó ao Pó

Filed under: Uncategorized — Renata Bruscato @ 3:03 PM

Não dava mais para aguentar aquele lugar. Não que sentisse alguma coisa por aquela velha fazenda caindo aos pedaços. Mas era justamente esse o problema. Nunca sentia coisa alguma em relação a nada. E isso fazia com que sentisse nada mais que a pura exaustão.

Todos os laços sociais que uma vez tivera estavam perdidos para sempre, esquecidos num tempo remoto. E, novamente, não se importava. Era incapaz de sentir qualquer coisa. Qual foi a última vez que sentiu algo diferente de indiferença? Não se lembrava. No parto, aquele em que veio ao mundo, talvez. Ou não.

Já estava com as malas prontas, paradas na varanda, estrategicamente posicionadas ao lado da porta. Sentou em cima da maior e ficou encarando a estrada de chão batido, aguardando a charrete que o levaria. Estaria a mente perdida em pensamentos? Claro que não. Quem não sente, não pensa. Não passa de um vazio mais imenso que a mais profunda imensidão.

Tratou de pegar as malas quando percebeu a poeira levantando ao longe na estrada. Nem sequer esperou que chegasse à porta, foi andando em direção ao veículo, recebendo a ajuda do condutor para guardar as pesadas malas que carregava. É incrível como a vida das pessoas pode caber dentro de algo tão pequeno e frágil como uma mala. E no instante em que entrou na charrete, fixou os olhos na janela. A velha cortina carcomida estava fechada, mas não precisava ver nada mesmo. Não tinha sentido algum ver qualquer coisa. Para quê? Apenas para abandonar também?

As horas se passaram lentas até que finalmente atingiram a cidade. Não se sabe se realmente chegou a sentir alguma coisa – talvez esperança -, mas se isso aconteceu, é certeza de que no instante em que seus pés tocaram o chão, qualquer sentimento que pudesse ter habitado aquele corpo se foi, para nunca mais voltar. Teve plena certeza de que tudo continuaria igual. Aquela cidade não era diferente da fazenda abandonada. Era o mesmo vazio sem amor. O mesmo vazio sem ódio. Apenas o nada, acompanhado dele mesmo.

2 Comentários »

  1. Esse texto foi feito pro clube?

    Comentário por Feijó — 03/17/2010 @ 5:32 PM | Responder


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